Como complexos turísticos podem desenvolver e se beneficiar do investimento em narrativas temáticas para atrair mais clientes
Durante a década de 1950, no desenvolvimento do primeiro parque temático Disneyland, Walt Disney precisava de uma equipe que conseguisse criar atrações únicas e viabilizar para transformar as ideias em realidades tridimensionais. Assim, ele convocou um time de profissionais dos estúdios da Disney, pessoas com vivência na animação, cinema e efeitos especiais, que entendiam a importância do tema e histórias para construir uma atração, e os juntou a engenheiros e arquitetos, chamando o grupo de Imagineers, que é a junção das palavras imagination (imaginação) e engineer (engenheiro).
Deste pontapé inicial da tematização e criação de storytelling, o segmento de entretenimento evoluiu muito, a própria Walt Disney Company conta com um departamento exclusivo de criação de atrações, o Walt Disney Imagineering, e há muitas outras empresas, no Brasil e no mundo, especializadas em criar histórias para parques, desde a parte de arquitetura, engenharia, marketing, design, cenografia, entre outras.
Brasil tem o seu Imagineering – a Parquitetura
No Brasil, uma das empresas pioneiras na criação e tematização de atrações é a Mauricio de Sousa Produções (MSP), que detém uma forte marca nacional, a Turma da Mônica. Na década de 1990, a empresa criou o departamento Parquitetura.
“A Parquitetura é o núcleo de criação de projetos temáticos da Mauricio de Sousa Produções. Foi criada no início da década de 1990 pela diretora de arte dos Estúdios MSP, Alice Takeda, após reunir o grupo de arquitetos criativos que tematizaram, sob a sua liderança, o primeiro Parque da Mônica, inaugurado em São Paulo (SP), em 1993”, conta a arquiteta e urbanista e diretora de Educação da Associação Brasileira de Parques e Atrações (Adibra), Cyntia Carneiro.
A partir desse primeiro projeto, o núcleo só cresceu e se tornou responsável por inúmeras criações de parques e espaços temáticos da Turma da Mônica e de outros personagens do universo criado por Mauricio de Sousa.
Cyntia explica que os Parquitetos são arquitetos e designers especialistas em criar narrativas com os temas do universo da Turma da Mônica, e usá-las para projetar parques de diversões, atrações temáticas, cenários para shows, além de pensar no design de todos os elementos de composição desses projetos, como figurinos, uniformes, adereços e esculturas. “Os Parquitetos possuem habilidades funcionais bem desenvolvidas e consolidadas, e após compor o time de colaboradores da MSP, seguem em desenvolvimento profissional, se aprofundando no conteúdo e no estilo Mauriciano”.
Ela destaca que a visão do profissional na Parquitetura vai além das questões estéticas e construtivas do projeto. “Também é necessário olhar para a operação, a acessibilidade e a segurança das criações. É importante observar o funcionamento das operações do ponto de vista do operador e do usuário; as formas que ambos interagem, suas atitudes e preferências, além de ouvir os feedbacks sobre suas percepções e experiências”.
Licenciar uma marca famosa ou criar uma narrativa temática?
Há dois caminhos no desenvolvimento de novos negócios e tematização para parques e atrações. Um é o licenciamento de marca, utilizando brandings já famosas, como Turma da Mônica, Sítio do Picapau Amarelo ou internacionais, para criar as atrações. A segunda é a criação do próprio storytelling, tematização e personagens, como alguns parques turísticos e resorts brasileiros desenvolveram.
O sócio da JAM L&T, Juliano Macedo, explica que os dois modelos têm suas vantagens e desafios. No caso de licenciar uma marca famosa, diminui a curva de aprendizado e de investimento para criar um personagem, um grupo de personagens ou brandings.
“Normalmente, licenciar uma marca conhecida ou popular pode ter um custo inicial alto. As empresas que detêm famosas brandings geralmente cobram royalties significativos pelo uso de sua marca. Entretanto, ao optar por essa alternativa, o complexo pode se beneficiar do reconhecimento instantâneo por parte dos consumidores. Isso vai atrair fãs e clientes mais rapidamente. Além disso, as marcas já possuem temáticas, produtos e storytellings em diferentes plataformas de distribuição, além de uma base muito consistente de seguidores nas redes sociais e nos canais de streaming”, explica Juliano.
Já no caso de criar o próprio tema, o sócio da JAM L&T ressalta que o complexo turístico tem a oportunidade de desenvolver uma branding exclusiva e ter um controle total sobre sua identidade e estratégia. “Porém, o tempo para reconhecimento dos personagens e storytelling pode levar muito mais tempo e o investimento nas áreas de criação, marketing e de posicionamento de marca demanda um custo significativo, principalmente na construção da sua identidade e o teste de aderência com o público consumidor que deseja atingir”.
A JAM L&T é uma empresa que trabalha com licenciamento de marcas para tematização de parques e resorts, contando em seu portfólio com marcas como Hasbro e Sanrio. “Existem hoje aproximadamente 600 propriedades disponíveis para licenciamento, sendo a maior parte delas (60%) do segmento infantil. A maior parte destas também está no ramo do Entretenimento, Esporte, Moda, Música e Artes”, diz Juliano.
Gramado Parks cria as próprias narrativas temáticas
Para lançar seu primeiro parque temático em Gramado (RS), o parque de neve Snowland, em 2013, a Gramado Parks criou o próprio storytelling e o personagem Yeti, o pé grande. A diretora de marketing e vendas da Gramado Parks, Lísia Diehl, explica que o desenvolvimento da tematização sempre foi visto como chave do sucesso pelos sócios-fundadores da companhia.
“O storytelling é algo que sempre esteve no DNA da marca, desde que os fundadores começaram a estudar parques ao redor do mundo, observaram o posicionamento e narrativas que cada um deles trazia e usaram isto como referência e inspiração”, diz a diretora da companhia.
E esse modelo de desenvolvimento de atrações, com narrativas temáticas e personagens, seguiu com os outros empreendimentos de entretenimento da empresa, como o parque aquático Acquamotion, em Gramado, o parque Aquaventura, em construção na Praia de Carneiros (PE), e as rodas-gigantes Yup Star, em Foz do Iguaçu (PR) e no Rio de Janeiro (RJ), além da criação própria dos espetáculos artísticos e também dos storytellings dos hotéis.
“Trabalhamos com desenvolvimento de marcas, histórias, personagens e negócios, desde 2011. Neste caminho, alguns projetos foram feitos por consultoria, por ilustradores, por agências e outros pelo próprio time de marketing, mas a condução dos projetos sempre foi liderada pelo marketing”, salienta Lísia.
Desde fevereiro de 2022, com a chegada de Lísia ao Gramado Parks, a companhia internalizou todo trabalho criativo de storytelling 100%, deixando para parceiros externos apenas o desenvolvimento 3D e ilustrações, sob demanda, de acordo com o briefing do marketing. “Acredito que não há ninguém melhor que nós e nosso time, que de fato vivem o produto, conhecem os valores, cultura e estratégia do negócio”, diz a diretora da Gramado Parks.
Empresária leva Turma da Mônica para Gramado
Buscando inspiração nos parques da Walt Disney para desenvolver uma atração turística em Gramado, Manoela da Costa Moschem viajou para Orlando em novembro 2018, para participar da IAAPA Expo, a principal feira de parques e atrações do mundo, e lá encontrou a Turma da Mônica. “Na entrada dessa feira recebi um informativo da Turma da Mônica e iniciei uma conexão com o Mauro Sousa, diretor de produção da Mauricio de Sousa Produções”, conta Manoela.
O resultado desse encontro foi o parque Vila da Mônica Gramado, inaugurado em 2022. “Quando viajei aos EUA, estava buscando um personagem que fosse o símbolo de uma atração focada nas crianças das famílias que visitam Gramado. E o universo da Vila da Mônica está atrelado a memórias afetivas de pessoas de várias gerações, inclusive da minha, ensinando lições de vida e fazendo parte dos momentos de lazer e até do processo de alfabetização. Então, foi uma escolha fácil e muito acertada”, explica a CEO do Vila da Mônica Gramado.
Por ser um licenciamento da marca Turma da Mônica, o parque foi desenvolvido com a parceria e acompanhamento da Mauricio de Sousa Produções. “As atrações foram definidas depois de extensa pesquisa de mercado desses tipos de atividades em diversos parques no mundo, e a ideia central sempre foi fazer todos brincarem e serem o motor das atividades”, diz Manoela.
Normas da ABNT para tematização de atrações
Visando direcionar as empresas de entretenimento a desenvolver equipamentos seguros e a atuar com segurança em suas operações, foi formatada a Norma Técnica ABNT NBR 15.926, de Parques de Diversões, que em 2023 teve uma edição revisada dessa norma, contemplando o capítulo Tematização, em que Cyntia Carneiro coordenou e foi coautora do texto.
“Nosso objetivo é estabelecer um alinhamento entre toda a cadeia de desenvolvimento do projeto temático, passando pelo design e pela arquitetura lúdica, que expressam soluções criativas e estéticas através do desenho; pela engenharia, que estrutura os projetos para que sejam seguros e resistentes; e pelos executores, que tiram do papel tudo aquilo que foi pensado em projeto. O resultado é uma tematização linda, interativa e segura, compreendendo que a segurança deve ser sempre a regra nº 1 de todo parque de diversão e de qualquer projeto de entretenimento”, explica a diretora de Educação da Adibra.
Fonte: turismocompartilhado