*Por Dra. Ana Paula Smidt
Quando falamos em segurança no universo dos parques de diversões, o imaginário coletivo ainda se prende à manutenção dos brinquedos e à vistoria de equipamentos. Mas, com as recentes atualizações da Norma Regulamentadora nº 1 (NR 1), publicadas pela Secretaria de Inspeção do Trabalho, o conceito de segurança se amplia significativamente, incluindo também o cuidado com a saúde mental dos trabalhadores.
A partir de 25 de maio de 2025, será obrigatória a inclusão dos riscos psicossociais no Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR), um movimento que muda a forma como o setor lida com a gestão de pessoas.
Essa exigência, respaldada por diretrizes técnicas e por um olhar mais humanizado da legislação trabalhista, parte do reconhecimento de que os riscos emocionais e relacionais também afetam profundamente a saúde, a produtividade e a integridade das relações de trabalho. Para os gestores de parques, isso representa a necessidade de rever a cultura interna, as práticas operacionais e os métodos de liderança.
Riscos psicossociais são todos aqueles fatores relacionados à organização do trabalho, às dinâmicas interpessoais, ao clima organizacional e ao conteúdo das tarefas que, de forma direta ou indireta, podem causar sofrimento psicológico.
Em um parque de diversões, esses fatores se manifestam, por exemplo, nas jornadas intensas em feriados e férias escolares, no desgaste emocional de profissionais que atuam com atendimento ao público em ambientes ruidosos e sobrecarregados, na pressão por desempenho em tempo real e, não raras vezes, na falta de preparação da liderança para lidar com situações de assédio, discriminação ou conflito.
A NR 1, ao exigir que esses elementos sejam identificados, avaliados e controlados no PGR, posiciona as empresas como corresponsáveis por criar ambientes de trabalho mais saudáveis. A norma não exige soluções padronizadas, mas sim a personalização do diagnóstico e das ações, a partir da realidade concreta de cada organização. Isso inclui escutar os trabalhadores, compreender a natureza das funções exercidas e estruturar medidas preventivas e corretivas que façam sentido para aquele contexto.
Nos parques, esse movimento pode começar com algo simples: observar os sinais.
Quais são os cargos com maior rotatividade? Onde se concentram as ausências recorrentes? Há reclamações frequentes de sobrecarga ou conflitos?
As respostas a essas perguntas já oferecem pistas valiosas para um diagnóstico inicial. A partir daí, é possível construir estratégias eficazes, como capacitações voltadas à liderança humanizada, criação de canais de escuta seguros, revisão de jornadas e pausas, além de programas de apoio psicológico e fortalecimento do clima organizacional.
Do ponto de vista jurídico, o não cumprimento da nova NR 1 a partir de maio de 2025 pode gerar sanções administrativas, com multas que variam conforme o porte da empresa e a gravidade da infração. Além das penalidades financeiras, há o risco de embargos, interdições e atuação do Ministério Público do Trabalho, sobretudo em situações de reincidência ou negligência com evidências claras.
Mas, para além das autuações, há um risco ainda mais relevante: o de enfrentar passivos trabalhistas que envolvam pedidos de indenização por danos morais decorrentes de assédio, burnout ou adoecimento psicológico, o que vem se tornando cada vez mais comum no Judiciário.
A boa notícia é que se adequar à NR 1 é um processo possível, viável e estratégico. E, mais do que um cumprimento legal, trata-se de uma oportunidade para construir ambientes de trabalho mais sustentáveis, capazes de reter talentos, reduzir conflitos e entregar uma experiência melhor também ao visitante, que inevitavelmente percebe quando há harmonia e bem-estar por trás da operação.
Trabalhar com entretenimento e lazer é, por natureza, um exercício de encantamento. Mas para que esse encantamento se sustente, é preciso que as pessoas envolvidas se sintam respeitadas, seguras e valorizadas. A NR 1 vem justamente para reforçar que saúde e segurança não são apenas obrigações formais — são estratégias de gestão que, quando bem implementadas, se convertem em diferencial competitivo e reputacional.
Se você ainda não começou esse processo de adaptação, este é o momento ideal para dar os primeiros passos. O prazo está próximo, e o compromisso com o bem-estar das equipes será, cada vez mais, um indicativo de maturidade empresarial.
Dra. Ana Paula Smidt
Advogada trabalhista, especialista em compliance e governança corporativa. Atua há mais de 20 anos com prevenção de riscos jurídicos, treinamento corporativo e estratégias práticas para empresas do setor de entretenimento. É diretora Jurídica da ADIBRA e colabora com a implementação de programas de bem-estar e segurança no trabalho em diversos parques e atrações pelo Brasil.